sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

O Almoço-Aniversário Pt. 1

Era o aniversário da minha mãe. Eu abro os olhos e fico encarando o teto do meu quarto por um tempo, chove muito, é tudo cinza. Minha voz sai rouca ao telefone, o pai diz que o almoço-aniversário seria às duas horas da tarde - eu nem tinha confirmado minha presença ainda.
Ele deixa bem claro:

- É bom que você chegue no horário.

Disse isso com entonação maior em “você”.

- É bom que VOCÊ chegue no horário.

Sinto um gosto horrível na boca, uma mistura de vinho amanhecido com cerveja choca. Vou até a padaria e como um pão na chapa, mas não bebo nada; volto para casa ensopado e com a garganta seca. Lembro que há tempos não ouvia minha própria voz, uns bons meses antes de o meu pai ligar.
O almoço-aniversário me volta num pensamento rápido, mas gordo, junto com um monte de coisas que eu havia pensando antes.

MINHA MÃE

Eu conheci minha mãe com sete anos. Claro que eu sei que sai do ventre dela, não sou retardado , mas conhecer é uma coisa bem diferente de encontrar. Com sete anos ela me acordava de manhã, me vestia, me penteava e quando eu menos esperava , já era hora de dormir - minha mãe vivia por mim. Com sete anos eu conheci minha mãe. O ônibus da escola me buscava e me trazia nas quartas feiras, dia do rodízio para a placa do nosso carro.

Numa quarta-feira a professora teve que ir embora mais cedo, acho que o filho dele havia morrido ou algo assim, todo mundo voltou pra casa mais cedo, eu também. Eu fui subindo o elevador e lembro que sempre morri de vontade de apertar o último botão, o dezoito, mas lá era a cobertura, era alto demais e eu tinha sete anos. Quando cheguei no sexto andar estranhei um pouco, não tinha cheiro de comida, mas lembrei que eram dez e meia. Meu cérebro deve ter se acostumado a relacionar minha volta pra casa à fome, a rotina às vezes confunde a gente. Eu entrei pela porta da cozinha, passei pela sala de jantar e nada da minha mãe. O quarto dela e do pai tava trancado, eu fui pra sala ver desenho. Um homem pálido demais almoçou em casa e depois comeu sobremesa.

Meu pai voltou à noite, eu não abri a boca, minha mãe olhou pra mim com medo e eu gostei daquilo. Minha mãe era mulher do meu pai, minha mãe era mulher.

 (continua)