Ele continua dormindo e em suas mão segura uma Bíblia. Começo a imagina-lo na Praça da Sé, pregando o Evangelho e voltando agora para casa, exausto, mas satisfeito consigo mesmo, como se assim encontrasse a absolvição de seus pecados, de sua vaidade extrema.
Me sobe então uma agonia, sensação velha que me consome dia-a-dia, das lembranças, do cheiro, do beijo daquela mulher! Eu tenho vontade de respirar, mas não consigo, meu peito não possui mais a capacidade de se expandir, meus pulmões endureceram num concerto absurdo de órgãos congelados pela brisa que vinha da janela, pelas palavras que eu ouvi com todo rancor, ódio e paixão. Sinto que adormeci, mas que ainda estou acordado, penso que enlouqueci, que não há homem, nem meia bege, nem trem, nem nada. Então me sobe finalmente um suspiro gordo, que me faz arregalar os olhos e soltar um ruído de alívio seguido de um “graças à Deus!” meio abafado pelo barulho do trem nos trilhos.
O homem continua lá sentado, mas está acordado, olhando para mim, como se me julgasse morto, como se seus olhos não avistassem mais um ser humano à sua frente, mas um bicho ou nem isso; esse olhar sobre mim é nauseante, me faz lembrar dela, da minha vida, da minha capacidade de escolher o sofrimento. Levanto da cadeira e vou para outro vagão, olho para o homem procurando me despedir, mas ele continua parado, olhando agora para a cadeira vazia à sua frente.
Desço na próxima estação e pego um ônibus para meu apartamento. Tento chamar o elevador mas depois de alguns minutos lembro que está quebrado.Penso seriamente em dormir no saguão ao invés de subir seis andares, mas a idéia é absurda demais, mesmo para mim. Escovo os dentes, bebo água e lavo meu rosto. O suor que escorre da minha cara é grosso, misturado com a poluição dos carros, ônibus e cigarros. Tenho a sensação de que meu dia continua grudado em mim, meu trabalho, a fuligem, nada sai da minha cara, esfrego tanto que fica em carne viva, sangra por toda a pele e por fim desce pelo ralo, vai embora pro esgoto do chuveiro. Minhas pernas e meus braços continuam no trabalho, no trem vazio, jogo-os na cama e me deito agitado ainda, pesando demais.
Fecho os olhos e tento ver apenas o escuro, tento adormecer, mas gradativamente o preto vira branco e depois bege; o preto cria forma e vira aquele homem no trem, aquele pastor dos diabos que não me sai da cabeça, que me inferniza e não me deixa dormir!
Acordo atrasado, já são sete da manhã. Lavo o rosto e saio com a mesma roupa que estava no dia anterior. Tenho que pegar o trem, mas decido ir de ônibus, que demora mais, mas é menos lotado; além disso, lá eu tenho certeza de que não encontrarei aquele homem, pastor ou seja lá o que ele for.
Ucapan Selamat Pagi Romantis Buat Pacar
Há 8 anos